A segurança da salvação
Carta de John Newton
11 de julho de 1795
Nós podemos com facilidade imaginar uma árvore sem frutos – mas a ideia de fruto está naturalmente associada com a de uma árvore que o produz. Nesse sentido, a segurança é a essência da fé; ou seja – ela provém da fé verdadeira, e não nasce de nenhuma outra raiz. Dessa mesma forma, a fé é a medida da segurança. Enquanto é fraca a fé (nosso Senhor a compara, quando está no início, com um grão de mostarda), não é possível que seja forte a segurança.
Jesus Cristo o Senhor é um completo e todo-suficiente Salvador. Seu convite aos cansados e sobrecarregados é amplo e geral, sem exceções, condições ou limitações. Ele afirmou: Aquele que vier a Mim, jamais o lançarei fora. Deus não apenas permite – Ele ordena que creiamos no Filho do Seu amor. O apóstolo afirma que Ele é capaz de salvar totalmente todo aquele que se achega a Deus por meio dele. Quando Moisés levantou a serpente de bronze no deserto, a orientação dada aos israelitas picados pelas serpentes foi muito breve e simples: Olhem e vivam! Dessa mesma forma, o evangelho se dirige ao pecador: Creia apenas, e você será salvo.
Por que razão, então, nem todo pecador que está consciente da sua culpa, perigo e impotência; e cujos anelos se dirigem ao Salvador – crê com plena certeza, mesmo depois de suplicar misericórdia? Será que o remédio não é plenamente adequado para a enfermidade? Será que o sangue de Jesus não é capaz de purificar de todo pecado? Será que a Palavra do Deus da verdade não é digna de inteira confiança? Apesar de tal Salvador ser exposto diante dos olhos da sua mente, e com tais promessas ecoando em seus ouvidos – ele continua a hesitar e vacilar entre a esperança e o medo. Se ele conseguisse descansar tão firmemente na Palavra de Deus como ele o faz com a palavra de um homem que, na opinião dele, diz a verdade e é capaz de cumprir suas promessas – ele imediatamente se encheria de gozo e paz no crer. Mas a experiência própria e a observação talvez nos convençam que, por mais racional e simples que isso pareça na teoria, em geral é algo inalcançável na prática – sem antes transpor uma série de práticas e conflitos prévios.
É bem verdade que os recém-convertidos são, muitas vezes, favorecidos com agradáveis sentimentos, que os levam à esperança de que suas dúvidas e dificuldades acabaram de vez – quando, na verdade, eles talvez estejam só principiando a batalha. Eles estão sendo, por assim dizer, introduzidos num mundo novo; uma forte e vívida percepção das coisas de Deus se apodera da atenção deles; o mundo e seus atrativos para eles não significam mais nada; as vis propensões que os desencorajam estão dominadas por certo tempo, e sua esperança é que estejam totalmente dominadas, e nunca mais os incomodarão. O amor, a gratidão e a reverência deles estão a pleno vapor.
Um cristão mais velho e experiente talvez relembre, com agradável saudade, muitos sentimentos desse tipo nos primeiros tempos da sua profissão de fé, sentimentos esses que ele não consegue chamar de volta. Mas ele agora sabe que a forte confiança que sentia nesses tempos áureos não era a segurança da fé – ela era temporária e passageira; ela se fundamentava sobre o que chamamos de boa disposição de espírito. Embora fosse forte seu ânimo, sua fé era fraca – pois, quando a boa disposição de espírito se foi, seus medos voltaram, sua esperança diminuiu e ele se viu sem saber o que fazer. Aí, talvez, ele tenha se espantado com sua própria presunção, por atrever-se a esperar que uma criatura como ele tivesse qualquer direito aos privilégios de um crente. E se, no calor de seu coração, ele chegou a falar a outros aquilo que Deus fez para com sua alma, ele mais tarde se culpou por ser um hipócrita e uma falsa testemunha tanto para Deus como para o homem. Dessa mesma forma, quando os israelitas viram os egípcios (que os tinham perseguido e aterrorizado) espalhados mortos nas margens do mar Vermelho, eles louvaram ao Senhor e creram nele. Eles não sabiam do deserto que tinham de atravessar e as provas que haveriam de enfrentar – antes de poderem entrar na Terra Prometida!
Mas a fé vigorosa, e o efeito dela, uma constante convicção de nossa aceitação no Amado, e nossa perseverança final na graça – não estão necessariamente associados com o bem-estar consciente. Uma fé vigorosa consegue confiar em Deus na escuridão e dizer juntamente com Jó: "Ainda que ele me mate, nele esperarei". Contudo, ela não se mantém sem um diligente uso dos meios da graça instituídos, e uma conscienciosa atenção para com os preceitos do evangelho, visto que meras noções da verdade, destituídas de poder – não conservarão o coração em paz. Mas esse poder depende da influência do Espírito Santo; e, se Ele for entristecido pelo intencional cometimento de pecado, ou pela intencional negligência dos mandamentos – Ele oculta Sua face, suspende Sua influência, e a confiança declina proporcionalmente, até que Ele queira retornar e reavivá-la.
Dessa mesma forma, existem enfermidades físicas que, por deprimirem a disposição física, obscurecem e descolorem a forma como percebemos as coisas. Se ao inimigo é permitido exercer vantagem nessas ocasiões, ele pode precipitar-se num dilúvio de tentações, suficiente para encher o mais seguro crente com terror e desalento. Mas, geralmente aqueles que se esforçam para andar perto e conscienciosamente com Deus, obtêm, em devido tempo, uma certeza de esperança até o fim, que não é facilmente nem com frequência abalada, embora não seja absolutamente perfeita, nem pode ser, pelo fato de tanto pecado e imperfeição permanecerem em nós.
Se alguém perguntar: Por que razão não podemos chegar a esse estado de serenidade logo de início, visto que o objeto da fé e as promessas de Deus são sempre os mesmos?, poderemos apontar pelo menos duas razões.
A incredulidade é a causa primária de toda a nossa inquietude, desde o momento em que nosso coração se move para buscar a salvação por meio de Jesus. Essa incapacidade de aceitar literalmente a Palavra de Deus não deve ser lamentada meramente como uma fraqueza – mas vista e considerada em oração e combatida como um grande pecado. Com certeza ela é um grande pecado; a própria raiz de nossa apostasia, da qual procede todo e qualquer pecado. A incredulidade com frequência nos engana sob a capa da humildade, como se fosse presunção, em tais pecadores como nós, crer nas declarações do Deus da verdade. Muita gente séria, que carrega o peso de outros pecados, deixa esse mal radical, a incredulidade, fora da sua lista de pecados. Eles antes o toleram, e pensam que não devem crer enquanto não encontrarem uma garantia para sinais e evidências dentro de si mesmos. Mas isso é uma afronta à sabedoria e à bondade de Deus, que nos indica o Filho do Seu amor – como nossa sabedoria, justiça, santificação, e redenção, sem nenhuma consideração ao que nós fomos, ou ao que somos, exceto o espírito quebrantado e contrito – que unicamente ele mesmo pode criar em nós. E esse espírito quebrantado, embora a incredulidade o perverta para nosso desencorajamento, é exatamente a disposição mental de que o Senhor Se agrada, e é uma mais segura evidência da verdadeira graça, do que aquelas que nós conseguimos produzir por nós mesmos. Está escrito que aquele que não crê o testemunho que Deus deu de Seu Filho, faz dele um mentiroso. Por que não nos horrorizamos com a incredulidade da mesma forma que devemos fazer com a simples sugestão de cometer homicídio ou qualquer outro crime repulsivo e visível?
Além disso, nosso orgulho natural é um grande estorvo para a fé verdadeira. Mesmo que nos reconheçamos como pecadores e estejamos cônscios de precisar de misericórdia – é difícil chegarmos ao ponto de ver que somos totalmente depravados, excessivamente vis, completamente destituídos de tudo o que é bom, como a Palavra de Deus nos descreve. Uma secreta dependência de nossas orações, lágrimas, resoluções, arrependimento e esforços, impede-nos de olhar única e simplesmente para o Salvador, de forma que fundamentemos toda a nossa esperança de aceitação em Sua obediência até a morte, e em Sua plena mediação.
Sem dúvida, um crente verdadeiro vai arrepender-se e orar, e abandonar os maus caminhos em que andava – mas ele não é aceito na base do que ele faz ou sente – mas sim porque Jesus viveu e morreu, e ressuscitou e reina em favor dos pecadores, e porque ele é capacitado pela graça a confiar em Cristo para a salvação.
Além do mais, o orgulho nos leva ao espírito de fútil argumentação, que é contrário à simplicidade do viver pela fé. Enquanto não renunciarmos a esse espírito, enquanto não nos tornarmos em certa medida como criancinhas, e recebermos as doutrinas da Escritura sem restrições, pelo fato de serem de Deus, sem precisarem de qualquer prova que seja além de Assim diz o Senhor – não poderemos ser fundamentados em nossa esperança. Naamã tinha um forte desejo de ser curado de sua lepra; mas, se o Senhor não tivesse misericordiosamente dominado os preconceitos dele, ele teria voltado leproso para casa – da mesma forma que viera. Antes de ir até Eliseu, ele havia deliberado em sua mente a maneira como o profeta deveria tratá-lo; e, não tendo recebido a devida atenção que ele esperava receber, esteve a ponto de tornar atrás; pois sua razão lhe disse que, se o lavar-se na água do Jordão podia efetuar sua cura, as águas da Síria eram tão boas quanto as do rio de Israel. Nas palavras de um antigo e inteligente escritor: "Parece que o evangelho é bom demais para ser crido, e simples demais para ser compreendido, até que nosso orgulho seja abatido".
É difícil determinar, pelo simples olhar, o momento preciso do raiar do dia, mas a luz avança desde a mais ceda madrugada e o sol aparece na hora certa. Assim é a progressiva luz divina em nossa mente – raramente se percebem os primeiros lampejos do amanhecer; mas, gradualmente, os objetos, até aquele momento nem imaginados, são revelados. O mal do pecado, o perigo da alma, a realidade e a importância das coisas eternas – são percebidos, e se descobre uma esperança de misericórdia por meio de um Salvador, a qual impede que o pecador afunde no mais absoluto desespero. Mas por um tempo tudo é indistinto e confuso.
Nesse estado mental, muitas coisas são ansiosamente procuradas como pré-requisitos para crer – mas são procuradas em vão, pois é unicamente pela fé que elas podem ser obtidas. Mas a luz aumenta, o sol aparece, a glória de Deus na Pessoa de Jesus Cristo brilha dentro da alma. Assim como o sol só pode ser visto por meio da sua própria luz, e difunde a luz por meio da qual os outros objetos podem ser claramente vistos; assim o Cristo crucificado é o sol do sistema da verdade revelada; e o correto conhecimento da doutrina da Sua cruz sacia a mente inquiridora, prova-se como a única coisa necessária, e a única coisa necessária para silenciar as objeções da incredulidade e do orgulho, e para proporcionar um sólido fundamento para uma esperança firme e permanente.
Repito: não há como possuir uma segurança firme enquanto não tivermos o conhecimento do mal e da falsidade de nosso coração, o qual só é possível adquirir por meio de dolorosa e repetida experiência. O jovem convertido, em seus mais luminosos momentos, quando seu coração está repleto de alegrias, e ele julga que suas montanhas são elevadas demais para serem removidas, talvez possa ser comparado a um navio a plenas velas, mas com muito pouco lastro. Ele avança bem enquanto o tempo está bom – mas não está preparado para uma tempestade. Quando Pedro disse: "Tu tens as palavras da vida eterna – nós cremos e estamos certos que tu és o Cristo", e quando ele afirmou: "Todos podem te negar, mas eu não vou fazer isso", sem dúvida nenhuma ele estava falando honestamente; mas os fatos mostraram que ele não conhecia a si mesmo! A resolução dele foi rápida e tristemente abalada no pátio do sumo sacerdote, ele negou seu Senhor com juramentos e imprecações. Deus permitiu que ele caísse – para que aprendesse que não podia ficar de pé por sua própria força.
A parábola do filho pródigo pode ser usada como ilustração desse ponto. A Escritura diz: "Então, conheceremos, se prosseguirmos em conhecer o Senhor" (Os 6.3 Bíblia King James). Mas com frequência queremos primeiro conhecer, e de uma vez só; e pensamos: "Se eu só soubesse que estou certo, e aceito no Amado, eu poderia avançar com mais ânimo e sucesso". Há muitos que se regozijam quando parecem ter alcançado esse desejo – mas a alegria deles é curta. Logo se parecem com o filho pródigo; tornam-se vaidosos, impetuosos e descuidados; abandonam a casa de seu Pai; sua atenção para com os meios da graça se afrouxa; eles se aventuram a pequenos desvios dos preceitos estabelecidos, os quais, com o tempo, os conduzem a desvios maiores. Dessa forma, o estoque de graça e conforto deles é rapidamente esvaziado. Eles passam a sofrer necessidade; e, depois de terem sido alimentados com o pão da vida, são reduzidos a alimentar-se dos rejeitos que o mundo lhes oferece. Felizes serão se, depois de certo tempo, forem trazidos outra vez à sensatez!
Mas, oh, com que dolorosa vergonha e humilhação eles retornam a seu Pai! Ele, na verdade, está sempre pronto para receber e perdoar os desviados; mas com toda certeza eles não conseguem com facilidade perdoar a si mesmos pela sua ingratidão e tolice! Quando Ele tiver curado seus ossos quebrados e restaurado a paz em suas almas, espera-se que eles andem com cuidado e humildade até o fim de seus dias, e não mais abram a boca, nem para se gabar, nem para censurar, nem para se queixar!
Uma pessoa que tem em si uma segurança bíblica e bem fundamentada vai evidenciá-la aos outros por meio de frutos apropriados. Essa pessoa será mansa, sincera e gentil em sua conduta diante dos homens – porque ela está humilhada e rebaixada diante de Deus. Pelo fato de viver com base no tanto que Deus lhe perdoou – essa pessoa vai prontamente perdoar os outros. A perspectiva da bendita esperança que lhe está garantida no céu – vai torná-la paciente sob as provações que tiver de passar na presente vida, afastá-la de qualquer envolvimento com o mundo, e preservá-la de ser muito influenciada tanto pelas aprovações como pelas censuras dos mortais.
Ouvir as pessoas falarem muito da "segurança" que têm, e que estão livres de todo tipo de dúvida e receio – ao mesmo tempo que habitualmente toleram o orgulho, a ira, o ressentimento, a atitude de descontentamento, ou ao mesmo tempo seguem avidamente o mundo como aqueles cuja porção toda se encontra neste mundo – é algo dolorido e desagradável para o cristão sincero! Tenhamos pena deles e oremos por eles; pois temos sérias razões de temer que eles não compreendem o que dizem nem o que afirmam!
As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem (Jo 10.27).
Ao homem que teme ao SENHOR, Ele o instruirá no caminho que deve escolher (Sl 25.12).
Aplica-te ao estudo da Palavra.
Buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto (Is 55.6).
Onde está, ó morte, o teu aguilhão? (1Co 15.55)
Orar bem é estudar bem.
Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente (Is 40.8).
![]()
Em tudo dai graças (1Ts 5.18).
Ao homem que teme ao SENHOR, ele o instruirá no caminho que deve escolher (Sl 25.12).
Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do SENHOR, que fez os céus e a terra (Sl 121.1-2)
A vereda dos justos é como a luz da aurora, que brilha mais e mais até ser dia perfeito (Pv 4.18)
Deus tudo vê
Não temais, pequenino rebanho.