Conselhos para ouvir com proveito a pregação da Palavra
Uma carta de John Newton
Prezado amigo:
Alegro-me em saber que o Senhor finalmente se agradou em colocar-te onde podes com frequência ouvir o evangelho.
Isso é um grande privilégio; mas, como todos os outros privilégios exteriores, este também requer graça e sabedoria para se obter dele um aproveitamento adequado e eficaz. A grande abundância das ordenanças que desfrutas, embora em si mesma seja uma bênção, está associada com armadilhas, as quais podem antes atrapalhar do que promover a tua edificação, a não ser que cuidadosamente te acauteles contra elas.
Com prazer, acolho a oportunidade que me proporcionas, dando-te meu conselho a respeito desse assunto. A lembrança dos erros que eu mesmo cometi no passado e as observações que tenho feito do comportamento dos ouvintes que professam a fé talvez em certa medida me qualifiquem para a tarefa que me confiaste.
Todos os fiéis ministros do evangelho são servos e embaixadores de Cristo. Eles são chamados e equipados pelo Seu Espírito Santo. Todos eles falam em Seu nome; e o seu sucesso no desempenho da sua função, ou menor ou maior, depende inteiramente da bênção de Deus.
Nesse ponto, todos eles estão em pé de igualdade. Mas, na medida das suas habilidades ministeriais, e no especial assunto da pregação, existe uma grande variedade.
Existe “diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; e o mesmo Espírito opera todas essas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer”.
Alguns sabem melhor inquietar os descuidados; outros, administrar consolação à consciência pesada. Alguns são usados mais especialmente para estabelecer e confirmar as doutrinas do evangelho; outros são hábeis para solucionar pontos teológicos. Outros ainda são mais excelentes para inculcar santidade prática; e outros, tendo sido conduzidos pelas profundezas da tentação e da aflição espiritual, estão mais bem instruídos nas diversas maneiras de trabalhar o coração e sabem melhor como dizer uma palavra apropriada para as almas cansadas e atormentadas.
Talvez nenhum verdadeiro ministro do evangelho (pois todos os verdadeiros ministros são ensinados por Deus) seja inteiramente deficiente em todas essas áreas; mas poucos (se encontrarmos algum) são muito ou igualmente excelentes no manejo de todas elas.
Além disso, quanto ao seu jeito, alguns são mais populares e agitados, mas ao mesmo tempo mais gerais e prolixos; ao passo que a falta de vivacidade e seriedade na pregação é compensada em outras pessoas pela solidez, precisão e profundidade dos seus sermões. Nessa variedade de dons, o Senhor tem uma graciosa consideração aos diferentes gostos e temperamentos, como também às necessidades do Seu povo.
Quando os ministros de Deus, como se fossem oficiais lotados em diferentes posições num exército, não têm em vista apenas o bem do todo, mas cada um procura cuidar do seu próprio posto, os efeitos combinados da variedade de dons exemplifica o sistema todo da verdade, e o bem da igreja é promovido com o mais elevado benefício.
É claro que esse seria o caso se a depravação remanescente do nosso coração não proporcionasse a Satanás tanta vantagem em suas sutis tentativas de nos ferir e enganar.
Mas, ai de nós! Quantas vezes ele já não teve sucesso em introduzir um espírito de inveja ou antipatia entre os ministros; desviando os ouvintes das suas preocupações legítimas, dividindo-os em partidos, incitando-os a contender por um Paulo, um Apolo, ou um Cefas, em prol dos seus próprios favoritos, depreciando os outros, que são igualmente queridos ao Senhor e fiéis em Seu serviço!
Talvez consideres longo o meu prefácio, mas vou derivar os meus conselhos dessas minhas palavras introdutórias; e preciso ter certeza que estou sendo bem claro.
Como os dons e os talentos dos ministros são diferentes, aconselho-te a escolher como teu pastor formal e mestre alguém que consideres mais adequado, de modo geral, ao teu próprio gosto, e a quem provavelmente ouvirás com o maior prazer e benefício.
Sê cauteloso e ora muito sobre o assunto. Implora ao Senhor, que conhece melhor do que tu, que te oriente onde a tua alma será mais bem alimentada; e, quando a tua escolha for feita, sê rigoroso em frequentar as reuniões constantemente. Eu me refiro pelo menos aos horários de culto no dia do Senhor. Não digo que não devas ir a nenhum outro lugar, de vez em quando; mas quanto menos te ausentares, melhor será.
Uma frequência fixa e regular anima o ministro e dá bom exemplo à congregação; e é mais provável que o ouvinte encontre aquilo que condiz diretamente com a sua própria situação da parte de um ministro que o conhece, e que espera vê-lo na reunião — do que pode receber de um que não o conhece.
De forma especial, espero que não te ausentes das reuniões movido pela curiosidade, para ouvir algum novo pregador, que talvez alguém tenha te apresentado como um pregador extraordinário; pois esse tipo de oportunidade se apresenta a cada semana.
O que eu tenho observado na vida de muita gente que a toda hora quer ouvir novos pregadores lembra-me Provérbios 27.8: “Qual ave que vagueia longe do seu ninho, tal é o homem que anda vagueando longe do seu lar”.
Esse tipo de ouvinte irregular poucas vezes tem sucesso. Normalmente eles se tornam sábios aos próprios olhos, têm a mente recheada de opiniões, adquirem um espírito seco, crítico e censurador; e estão mais prontos a discutir quem é melhor pregador, do que a obter benefício para si mesmos daquilo que ouvem.
Se puderes encontrar um homem que de fato tem em si o poder de dispensar uma bênção à tua alma, deves segui-lo aonde ele for; mas como a bênção está nas mãos do Senhor, é mais provável que a recebas aguardando onde a Sua providência te colocou, e onde Ele já se encontrou contigo antes.
Mas, como a natureza humana tende aos extremos, deixe-me advertir-te quanto ao outro lado.
Se o ministro do lugar em que normalmente vais te parece muito agradável, será menor o perigo de o menosprezares. Mas sê cauteloso para não menosprezares nenhum outro ministro de Cristo. Por essa razão, quando fores ouvir o teu próprio pregador, se encontrares algum outro no púlpito, não permitas que teu olhar diga a ele que, se soubesses que ele estaria ali, não terias vindo ouvi-lo. Espero de fato que jamais penses dessa forma em teu coração; mas, apesar de não podermos evitar que os pensamentos maus surjam em nossa mente, devemos combatê-los e fazê-los desaparecer.
Algumas pessoas são tão curiosas, ou melhor, tão fracas, que, se o seu ministro favorito se ausenta ocasionalmente, elas pensam que nem vale a pena ouvir algum outro.
Um ministro prudente e fiel, nesse caso, em vez de sentir-se alegre com esse tipo de ligação específica consigo, haverá de entristecer-se ao pensar que essas pessoas não aproveitaram mais dos seus esforços; pois o seu desejo é ganhar almas para Jesus Cristo e não para si mesmo.
Espero que tu, meu amigo, compareças às ordenanças sempre tendo em vista a presença do Senhor; e, quando estiveres em tua congregação, consideres o pregador (se ele prega a verdade) como alguém providencial e expressamente enviado pelo Senhor para ti naquele instante; e que não poderias escolher melhor por ti mesmo do que aquilo que Deus escolheu para ti.
Não limites o Todo-Poderoso confinando as tuas expectativas a um simples instrumento. Se fizeres isso, é provável que alcances a tua própria frustração. Se fixares as tuas esperanças no homem, o Senhor pode reter a Sua bênção, e então os melhores homens e os melhores sermões serão como nuvens sem água para ti.
Mas, além dos momentos mais fixos de culto do dia do Senhor, tens muitas oportunidades de ouvir sermões ocasionalmente durante a semana; e dessa forma podes participar da variedade de dons de que já falei. Isso pode ser tanto um benefício como também o contrário, dependendo do uso que fizeres deles. Recomendo que aproveites essas ocasiões, mas com certas restrições.
Em primeiro lugar, sê cuidadoso para não degenerares num espírito de simples ouvinte, colocando a principal ênfase da tua crença em correr para lá e para cá atrás de pregadores.
Existe muita gente que está sempre levantando voo; e, sem a devida consideração daquilo que lhes cabe no trabalho, na família, ou na devoção pessoal — eles pensam que foram enviados ao mundo unicamente para ouvir sermões, e ouvir tantos por dia quantos tiverem condições de ouvir. Esse tipo de gente pode bem ser comparado com as vacas magras de Faraó; devoram um bocado; mas, por falta de digestão apropriada, não prosperam: a sua alma é magra; a consolação deles é pequena e instável; e a sua profissão de fé apresenta mais folhas do que fruto.
Se os doze apóstolos estivessem outra vez sobre a terra, e pudesses ouvir cada um deles toda semana; mas se não prestasses atenção às tuas obrigações devocionais particulares; se não observasses um tempo de leitura, meditação e oração; e se igualmente não cuidasses conscienciosamente dos negócios do teu chamamento específico, e o desempenho das tuas obrigações na vida familiar; em vez de admirar o teu zelo, eu repreenderia a tua imprudência.
Tudo é belo a seu tempo; e, se uma responsabilidade frequentemente atrapalha uma outra, isso é sinal ou de uma avaliação mal feita ou de uma forma errada de pensar. Não existe ordenança pública1 que possa compensar a negligência da oração em secreto; nem a mais diligente participação dessas ordenanças pode justificar a nossa negligência desses deveres que, pela ordem e indicação de Deus, devemos cumprir em relação a nossas famílias e sociedade.
Além disso, como estamos vivendo em dias quando há tantos pontos de vista e ventos de doutrinas estranhas, espero que vigies e ores para que não sejas daqueles que têm coceira nos ouvidos, inclinando-te para ouvir novidades e opiniões diferentes e esquisitas, e as opiniões de homens de mente instável, que não são sadios na fé.
Eu já conheci pessoas que, por causa de uma desprezível curiosidade, foram ouvir pessoas desse tipo, não para serem edificadas, coisa que nem poderiam esperar daquele pregador, mas para saber o que ele tinha para dizer, supondo que estavam muito bem estabelecidas na verdade para serem prejudicadas pelas coisas que iam ouvir.
Mas fazer esse tipo de experiência (sem uma orientação de Deus adequada e legítima) é arrogante e perigoso. Ao fazer isso, muita gente já se prejudicou; sim, muita gente já se destruiu. O erro é como o veneno; a sutileza, a rapidez, e a força da sua ação muitas vezes são espantosas.
Uma vez que oramos para que Deus não nos deixe cair em tentação, devemos tomar cuidado para não nos expormos a ela de caso pensado. Se o Senhor te mostrou o que é correto, não vale a pena gastares teu tempo procurando saber os ensinos errados que existem a respeito daquele assunto.
Mais ainda: recomendo-te que, quando ouvires um sermão a respeito do evangelho, e que não esteja inteiramente, em todos os seus detalhes, do teu gosto, não te apresses a jogar toda a culpa sobre o pregador. Os ministros do Senhor não têm muita coisa que dizer em seu próprio favor. Eles sentem (pelo menos isso é o que se espera que sintam) as suas próprias fraquezas e defeitos, e a grandeza e a dificuldade da obra que têm para realizar.
Eles estão cientes de que as suas mais fervorosas tentativas de proclamar a glória do Salvador são frias demais; e os seus mais insistentes apelos à consciência dos homens são frouxos demais: e às vezes eles são oprimidos com esse tipo de desânimo, tanto que os seus próprios inimigos ficariam com pena deles se soubessem o que se passa com eles.
Na verdade, eles têm muita coisa de que se envergonhar; mas será muito mais proveitoso para ti, que és o ouvinte, ponderares se a falta por acaso não está em ti mesmo.
Talvez tenhas pensado bem demais do pregador, e tenhas esperado coisas demais dele; ou talvez tenhas pensado mal demais a respeito dele e esperado pouco demais. No primeiro caso, o Senhor merecidamente te desapontou; no segundo, recebeste de acordo com a tua fé.
Talvez tenhas negligenciado a oração em favor do pregador; e, então, embora ele possa ter sido benéfico a outros, não é de estranhar que não tenha ajudado a ti.
Ou talvez tenhas agido com espírito leviano, e tenhas trazido escassez e apatia sobre a tua própria alma; coisa pela qual não te humilhaste adequadamente, e o Senhor escolheu a hora da pregação para te repreender.
Por fim, como ouvinte, tu tens o direito de julgar todas as doutrinas por meio da Palavra de Deus; e é tua obrigação fazê-lo.
Os ministros fiéis vão lembrar-te de fazer isso; eles não vão querer de ti uma obediência absoluta e cega ao que dizem, com base em sua própria autoridade, nem vão querer que os sigas além do ponto em que eles mesmos têm as Escrituras como seu ponto de apoio. Eles não vão tentar controlar a tua consciência, mas tentarão ser cooperadores de tua alegria.
Valoriza essa liberdade do evangelho, que te torna livre das doutrinas e dos mandamentos de homens; mas não faças mau uso dela para promover o orgulho e o egoísmo.
Existem pessoas que, em vez de avaliarem com as Escrituras aquilo que ouvem, consideram a si mesmas como o critério dos seus julgamentos. Elas vão ouvir palestras e sermões não tanto para serem instruídas, mas para emitirem a sua opinião e sentença.
Para essas pessoas, o púlpito é o tribunal onde o ministro se coloca para ser julgado por elas; um tribunal de onde poucos escapam da crítica de juízes tão severos e inconsistentes. Pois, como esses críticos não pensam da mesma forma, e talvez não concordem em nada quando se trata da opinião que têm sobre a sua própria sabedoria, tem acontecido muitas vezes que, durante um mesmo sermão, o ministro foi condenado tanto por ser legalista como por ser antinomiano; tanto por ser muito arrogante como por ser muito humilde; tanto por mexer-se demais como por mexer-se de menos.
Ora essa! Esse espírito detestável, que leva os ouvintes a pronunciar ex cathedra2, como se fossem infalíveis, invade os direitos do julgamento pessoal mesmo em assuntos que não são essenciais e faz com que o pregador se torne um criminoso só porque usou determinada palavra.
Esse espírito é um mal comum preocupante, que jorra da depravação do coração, quando o Senhor fornece os meios de graça com grande abundância. Como não valorizariam a bênção de ouvir a pregação do evangelho aqueles filhos do Senhor que não têm oportunidade de participar das ordenanças, coisas que muitos crentes professos e críticos têm em grande abundância!
Minha oração é que Deus te preserve desse espírito (que eu temo esteja se espalhando entre nós e nos infectando como a própria peste) e que Ele te guie em todas as coisas.
1 - Ordenanças públicas: São as práticas coletivas das quais o cristão deve participar: o reunir-se com os irmãos para adoração pública, o batismo, a santa ceia e a oração com os irmãos.
2 - Ex cathedra: com autoridade de quem tem título.
As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem (Jo 10.27).
Ao homem que teme ao SENHOR, Ele o instruirá no caminho que deve escolher (Sl 25.12).
Aplica-te ao estudo da Palavra.
Buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto (Is 55.6).
Onde está, ó morte, o teu aguilhão? (1Co 15.55)
Orar bem é estudar bem.
Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente (Is 40.8).
![]()
Em tudo dai graças (1Ts 5.18).
Ao homem que teme ao SENHOR, ele o instruirá no caminho que deve escolher (Sl 25.12).
Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do SENHOR, que fez os céus e a terra (Sl 121.1-2)
A vereda dos justos é como a luz da aurora, que brilha mais e mais até ser dia perfeito (Pv 4.18)
Deus tudo vê
Não temais, pequenino rebanho.