Os perigos do pregador
A. W. Tozer
Algumas profissões têm riscos inerentes, tais como quem trabalha em minas de carvão, os escafandristas e os limpadores de chaminés. Todos sabem que os homens que optam por essas profissões correm perigo em algum grau a maior parte do tempo.
Em contraste com essas profissões, o trabalho do ministro cristão parece não apresentar perigo de forma alguma. Na lista das profissões mais perigosas, o ministério cristão se encontra no final da lista, e o ministro é estatisticamente um dos casos menos arriscados para qualquer companhia de seguros.
Contudo o ministério é uma das profissões mais perigosas. O diabo odeia o ministro cheio do Espírito com uma intensidade superada apenas pelo ódio que ele sente pelo próprio Cristo. Não é difícil descobrir a origem do seu ódio. É que um ministro efetivo, parecido com Cristo, é um constante embaraço ao diabo, uma ameaça ao seu domínio, uma refutação aos seus melhores argumentos e uma tenaz lembrança da sua futura destruição. Não é de admirar que ele odeie esse homem.
Satanás sabe que a queda de um profeta de Deus é uma vitória estratégica para ele, por isso não descansa nem de dia nem de noite, tramando laços ocultos e armadilhas mortais para o ministro. Talvez uma figura melhor seja o dardo envenenado que apenas paralisa a vítima, pois penso que Satanás está pouco interessado em matar o pregador. Um ministro ineficaz, apenas meio-vivo é melhor propaganda para o inferno do que a morte de um homem bom. Dessa forma, os perigos do pregador são mais espirituais do que físicos, embora às vezes o inimigo trabalhe por meio de enfermidades físicas para atingir a alma do pregador.
Há, na verdade, alguns perigos bem reais do tipo mais grosseiro, contra os quais o ministro precisa guardar-se, como o amor ao dinheiro e das mulheres; mas os perigos mais mortais são muito mais sutis do que esses. Dessa forma, vamo-nos concentrar neles.
Existe, por exemplo, o perigo de que o ministro venha a pensar de si mesmo como alguém que pertence a uma classe privilegiada. Nossa sociedade “cristã” tende a incrementar esse perigo concedendo aos ministros descontos e outras cortesias, e a própria igreja presta um desserviço dando aos homens de Deus vários títulos sonoros, que são ou cômicos ou imponentes, dependendo do seu ponto de vista.
Considerando o Nome que ele representa, não é apropriado que o ministro aceite a ideia de pertencer a uma classe privilegiada. Cristo veio para dar, para servir, para sacrificar e para morrer, e disse aos Seus discípulos: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21). O pregador é um servo do Senhor e do povo. Ele está em grande perigo moral quando esquece isso.
Outro perigo é que ele pode desenvolver um espírito mecânico no desempenho do trabalho do Senhor. A familiaridade pode gerar descaso mesmo no próprio altar de Deus. Que coisa terrível é que o pregador se acostume ao seu trabalho, quando desaparece o senso de assombro, quando ele se acostuma ao incomum, quando ele perde o reverente temor na presença do Altíssimo, daquele que é santo; quando, para dizê-lo francamente, ele sente um certo tédio para com Deus e com as coisas celestiais.
Se alguém duvida que isso possa acontecer, leia o Antigo Testamento e veja como os sacerdotes de Jeová às vezes perdiam o senso do mistério divino e tornavam-se profanos mesmo enquanto executavam suas santas atribuições. E a história da igreja nos revela que essa tendência para a mecanicidade não acabou com o final da era do Antigo Testamento. Os sacerdotes e os pastores mundanos, que guardam as portas da casa de Deus em troca de pão ainda continuam entre nós. Satanás fará questão que continuem, pois eles causam mais dano à causa de Deus do que o faria um exército inteiro de ateus.
Também existe o perigo que o pregador possa sofrer alienação de espírito do povo simples. Isso vem da característica do cristianismo institucionalizado. O ministro se relaciona quase que exclusivamente com pessoas religiosas. As pessoas ficam precavidas, quando estão com ele. Elas tendem a conversar sobre o seu melhor lado, e naquele momento tornam-se o tipo de pessoa que pensam que o ministro quer que sejam, em vez de serem as pessoas que de fato são. Isso cria um mundo irreal, onde ninguém é totalmente sincero, mas o pregador está vivendo nele por tanto tempo, que o aceita como real, e não percebe mais a diferença.
São desastrosos os resultados de viver nesse mundo artificial. Já não há conversas despreocupadas, há somente “conferências”. Não há mais pessoas simples como as que o Senhor amou tanto, e somente há “casos” e pessoas com “problemas”. Perde-se a sinceridade simples, sem afetação, que deveria caracterizar os relacionamentos entre o cristão e seus companheiros, e a igreja torna-se uma clínica religiosa. O Espírito Santo não pode agir num ambiente desses, e isso acaba num desastre, pois sem Ele a obra do ministério se transforma em madeira, feno e palha.
Depois, há sempre o perigo de que o ministro sofra de perda de simpatia, e sua atitude se torne abstrata e acadêmica, fazendo com que ele ame a humanidade sem amar as pessoas. Cristo era o exato oposto disso. Ele amava os bebês, os publicanos, as prostitutas e as pessoas doentes, e Ele os amava espontânea e individualmente. O homem que diz segui-lo não pode dar-se ao luxo de agir de forma diversa.
Outro perigo que ameaça o ministro é que ele inconscientemente passe a amar ideias religiosas e filosóficas em vez de amar santos e pecadores. É totalmente possível sentir pelo mundo de homens perdidos o mesmo tipo de sentimento que o naturalista Fabre, por exemplo, sentia por uma colmeia de abelhas ou por um formigueiro. Eles são algo para estudar, algo de que se pode aprender, talvez até ajudá-los, mas nada por que se chore ou por que se venha a morrer.
Onde prevalece essa atitude, em breve haverá pregação artificial e pedante. O ministro supõe que os seus ouvintes estão tão familiarizados com história, filosofia e teologia como ele, de forma que se afunda em citações eruditas, faz ocasionais citações de livros e autores totalmente desconhecidos da maioria das pessoas que o ouvem, e interpreta erroneamente as expressões surpresas do rosto dos seus paroquianos como admiração do seu brilhantismo.
Está além da minha compreensão a razão por que as pessoas religiosas continuam suportando esse tipo de coisa, e ainda lhe pagam e o financiam. A única coisa que faço é colocar isso na longa lista de coisas que não entendo e provavelmente nunca vou entender.
Outra armadilha que ronda o pregador é que ele passe a fazer aquilo que precisa ser feito e o faça sem “esquentar-se”. Estou ciente de quão melindroso é esse assunto e, apesar de minha opinião não aumentar o número dos meus amigos, espero que pelo menos influencie as pessoas na direção certa. É fácil o ministro tornar-se um vagabundo cheio de privilégios, um parasita social de mão estendida e olhar expectante. Ele não tem chefe à vista; não precisa cumprir certo número de horas, assim ele pode trabalhar num padrão confortável de vida, que lhe permite vadiar, ficar ocioso, folgar, cochilar e andar de um lado para outro conforme bem entender. E há muitos que fazem exatamente isso.
A fim de evitar esse perigo, o ministro precisa impor-se voluntariamente uma vida de labor tão árduo como a do fazendeiro, do estudante sério ou do cientista. Ninguém tem direito a uma forma de vida menos dura do que a dos trabalhadores que o sustentam. Nenhum pregador tem direito a morrer de velho se o trabalho duro vai matá-lo.
Talvez se tenha de dizer, contudo, que alguns homens de Deus aprenderam a trabalhar no Espírito Santo e dessa forma escaparam tanto da ociosidade como da exaustão, e viveram até idade avançada. Entre esses homens estão Moisés e Samuel, dos tempos antigos, e homens como João Wesley, o Bispo Asbury, A. B. Simpson e o pastor Philpott mais recentemente. Esses homens operaram tremendos feitos sem prejudicar-se fisicamente, mas nem todos os homens são capazes de decifrar esse segredo. Charles Finney ensinava abertamente que um homem de Deus poderia apressar seu próprio fim se carregasse os fardos de uma igreja apóstata, e ele desculpava o pregador e culpava a igreja. Quer concordemos com ele ou não, o fato é que as convicções dele não são de desprezar.
Além disso, a utilidade de qualquer ministro pode ser grandemente enfraquecida por dois pecados opostos — flexibilidade demais ou rigidez demais. Entre essas duas rochas há um canal profundo e seguro, e bendito é o homem que o encontra.
Adaptar-se aos gostos de uma congregação não-espiritual em matéria de moral ou doutrina é um mal enorme; modificar o sermão para agradar um diácono carnal é um grande pecado. Mas recusar-se a ceder em assuntos triviais revela um espírito totalmente fora de harmonia com o que Tiago descreve no terceiro capítulo de sua Epístola: “A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento” (3.17).
O mal da excessiva rigidez foi apontado por Thomas a Kempis:
É verdade que todos fazem naturalmente aquilo que mais está de acordo com as suas tendências, e cada um se inclina mais para aqueles que pensam como ele mesmo... mas se Deus está entre nós, às vezes temos de deixar a nossa própria opinião, por amor à paz. Quem é sábio ao ponto de saber todas as coisas? Não confie, portanto, demasiadamente em suas próprias opiniões; mas esteja disposto a ouvir o parecer dos outros.
Devemos mencionar dois outros perigos que se apresentam ao homem de Deus, e esses também são opostos. Um é orgulhar-se do sucesso e o outro é desencorajar-se por causa do fracasso.
Pode parecer ao leitor que sejam coisas triviais, mas a história do ministério cristão não nos permite pensar assim. São duas situações decisivamente perigosas, contra as quais o ministro deve prevenir-se com grande cuidado. Os discípulos retornaram a Cristo com transbordante entusiasmo, dizendo: “Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu nome!”, e Ele rapidamente os lembrou de outro ser que permitiu que o sucesso lhe subisse à cabeça. Ele disse: “Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago. Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus” (Lc 10.17-18,20).
O segundo desses perigos gêmeos nem é preciso fazer esforço para expor. Todo ministro do evangelho sabe quão duro é permanecer espiritual quando parece que o seu trabalho é infrutífero. Contudo dele se requer que se regozije em Deus tanto quando o ano é ruim como quando parece haver grande sucesso.
Não é meu propósito acusar ou desdenhar, mas apontar perigos. Todos nós somos objeto do ódio malicioso do diabo, e estamos a salvo somente à medida que nos dispomos a humilhar-nos e aceitar ajuda uns dos outros, possivelmente até de alguém que é igualmente fraco e que está em perigo diário, como este autor.
As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem (Jo 10.27).
Ao homem que teme ao SENHOR, Ele o instruirá no caminho que deve escolher (Sl 25.12).
Aplica-te ao estudo da Palavra.
Buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto (Is 55.6).
Onde está, ó morte, o teu aguilhão? (1Co 15.55)
Orar bem é estudar bem.
Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente (Is 40.8).
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Em tudo dai graças (1Ts 5.18).
Ao homem que teme ao SENHOR, ele o instruirá no caminho que deve escolher (Sl 25.12).
Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do SENHOR, que fez os céus e a terra (Sl 121.1-2)
A vereda dos justos é como a luz da aurora, que brilha mais e mais até ser dia perfeito (Pv 4.18)
Deus tudo vê
Não temais, pequenino rebanho.